X

“É, Zé…” murmurou o anão, olhando com desgosto para a fogueira à sua frente. “Parece que é Pão de Especiarias pra nós dois… de novo.”

Um urso negro fungou alto, desdenhoso, enquanto Manuel tirava da bolsa um frasco de bebida. A noite seria longa, e o calor da pequena fogueira nem de perto suficiente para aquecer a dupla. Zé era quase do tamanho do anão e em alguns momentos até servia como cobertor de emergência, mas essa opção não parecia tentadora porque o animal já estava sem tomar banho havia bem mais de uma semana.

“Nem me venha reclamar da comida, mas ora. Quem mandou tu deixar o bicho escapar? Podia ser Costelinha de Javali na Cerveja agora. Ou não, não sei cozinhar esses troços ainda… o primo Ragnar é quem capricha nisso aí.”

O urso deitou-se de costas para o anão, que ficou com o rosto ainda mais vermelho que o normal.

“Seu mal agradecido… Depois vai querer comer e não vou te dar mas nem um pedacinho! Seu tapetão ingrato! Tu não lembra quem foi que te cuidou ao longo de todos esses anos?!”

Zé bocejou, demonstrando toda a sua preocupação.

“Pois eu lembro, saco de pêlos…

A minha barba ainda não era essa coisa linda, ruiva, longa e trançada. Havia acabado de começar meu treinamento de montanhista; mamãe já estava toda orgulhosa e tenho certeza de que a minha doce Maria havia finalmente começado a me notar.

Ou talvez não, já que eu passava a maior parte do tempo congelando no Vale Cristálgida. O velho Ioren Raçaférrea adorava colocar os novos recrutas pra fazer valer cada naco de pão duro que nos era dado como ração. Construía caráter, Zé, tá me ouvindo? Caráter!

O problema é que os Montanhistas costumam cuidar de ameaças pequenas… como talvez ursos roubando alimentos, ou mesmo lobos rondando vilarejos. Ninguém tava preparado pra uma invasão trogg, tu deve imaginar.

Por isso é que foi um Eluna-nos-acuda quando a coisa começou a ficar preta lá no vale. Era um tal de mata-mata-invasor pra lá, um tal de cura-cura-ferido pra cá, e na minha correria toda – não, seu urso imbecil, o Grande Manuel não estava fugindo… eu simplesmente estava me locomovendo para um local que favorecesse a minha mira.

E pra onde você foi depois daquilo, hein, Zé? Não te vi mais até depois de resgatar toda a cerveja possível e levar tudo pra Sidermar. Lá dentro só tinha gente com medo de um terremotinho, pode isso? Anões! Seres das montanhas, da terra! Um terremoto não deveria ser nada de mais…

…mesmo que faça todas as paredes tremerem, a neve das montanhas virar avalanche, e troggs saírem das profundezas pra destruir o Vale como o conhecemos.

Um monte de medrosos, ao contrário do Grande Manuel aqui, e tenho dito. Sobrou pra quem bancar o heroi e resolver a bagunça toda? Não, Zé, não pra ti. Quando eu saí de Sidermar tu provavelmente já tava tentando roubar comida dos acampamentos dos trolls!

Acabei investigando as atividades dos Jubafria porque o ilustríssimo Grolin Barbabranca estava com medo de sair do acampamento. Não disse com essas palavras, mas eu sabia que era algo do tipo. Só pode ser.

A situação era mais grave do que qualquer um tinha pensado: como se não bastasse a invasão de troggs, o terremoto ainda parecia ter aberto alguma passagem pra elementais. Se a passagem ligava Dun Morogh aos mapas mais ao sul, ou se era uma passagem pra um plano elemental eu não tinha como saber.

Eu, intrépido colosso como sempre, decidi sozinho (e certamente sem a ideia de algum Grolin Barbabranca) viajar até Altaforja para repassar a informação. Missão simples, se tudo não tivesse tremido e o túnel não tivesse quase desmoronado sobre minha cabeça.

E antes que tu comente, Zé, eu não soltei gritinhos de pavor como uma gnomida. Pode parar com essa invenção.

A sorte é que gnomos são criaturinhas engenhosas e eu fui de girocóptero até Kharanos. Tu sabe que lá é feita a melhor costelinha de javali do mundo todo? Tô te dizendo, tapetão, a receita do meu primo Ragnar é ótima! Tu devia aprender a fazer, só assim me sobrava granda!

Como assim “ainda não apareci na história”? Mas que urso mal educado. Acabei de contar pra todo mundo como é que eu te domei.

Contei não? Olha que eu acho que contei, hein… Tu não tente me enrolar não!”

Zé revirou os olhos, resmungou, e cobriu as orelhas com as patas. O anão realmente sentia-se inclinado à tagarelagem, e estava longe de perceber que o pão de especiarias havia se tornado pouco mais do que um monte de farinha e temperos queimados.