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Este é o 3º artigo de 23 posts da série Renegada.

 

Belmonte sentou-se calmamente e permaneceu calado por uns bons cinco minutos. Halie – que tinha aproveitado esse tempo para se recuperar – já estava quase perguntando se estava tudo bem quando o Comandante se levantou e sussurrou alguma coisa a um sicário, que saiu correndo e voltou algum tempinho depois com pergaminho e tinteiro.

– Obrigado – disse Belmonte distraidamente. – Era só isso, pode sair.

Halie virou-se para ir embora também, mas um resmungo do Comandante a chamou de volta:

– Você fica. – ordenou, já com a pena na mão.

Halie aguardou pacientemente a próxima ordem, imaginando para quem seria a mensagem que estava sendo escrita. Pelo que podia perceber, o Comandante havia refletido profundamente naqueles minutos de silêncio e agora demonstrava certa urgência em suas ações, mesmo que tentasse permanecer calmo.

– Quero que leve isto até Sylvana – disse ele de repente, enquanto lacrava o pergaminho. – É uma emergência.

Halie recebeu a carta e, sem responder, saiu da tenda. Andou rapidamente até um canto deserto e pôs-se a alisar a roupa apressadamente. Quando ficou satisfeita, tentou abaixar os cabelos secos sem sucesso e, resignada, continuou seu caminho até a Dama Sombria com toda a dignidade que conseguiu juntar.

Ao chegar perto o suficiente, sob o olhar duro da Rainha Banshee, Halie ajoelhou-se e fez uma vênia com a cabeça.

– Se você me trouxe notícia ruim, pode dar meia-volta e ir embora – disse Sylvana.

– Hum – Halie entendeu aquilo como uma permissão para se levantar. – Não sei do que se trata, Vossa Alteza. – mentiu. Com absoluta certeza o conteúdo da mensagem era o relatório de Belmonte sobre as notícias recém-obtidas. Halie esticou o braço e lhe entregou o pergaminho selado. – É uma mensagem urgente do Comandante Belmonte.

Sylvana recebeu a carta com um ar entediado e rompeu o lacre. Passou os olhos rapidamente pelas palavras e deu uma risadinha cínica.

– Crowley? É um nada! – exclamou. – Um inseto prestes a ser esmagado debaixo do meu calcanhar.

Halie lembrou-se do tamanho de Crowley e do modo como Ivar atirou Yorick contra a parede, como se não passasse de uma trouxa de roupas. Certamente Crowley era capaz daquilo também.

– Então ele planeja iscar os worgens selvagens de Pinhaprata contra mim? – continuou Sylvana. – Nós mostraremos a ele e a seus aliados o poder dos Renegados! – ela deu uma risada maléfica, mas parou de repente, como se tivesse acabado de lembrar de algo. – Mas, antes, precisamos limpar a bagunça que a esquadra do Chefe Guerreiro causou.

Halie ia perguntar sobre o que ela estava falando, mas Sylvana logo prosseguiu sua explicação com resmungos revoltados:

– Os reforços de Kalimdor chegaram ontem à noite. Três belonaves órquicas cheias de suprimentos, armas e soldados. Três belonaves órquicas perdidas para os malditos worgens de Dentessangue! – ela berrou. – Como é possível uma esquadra órquica inteira ser derrotada por um pequeno bando de combatentes sem maquinário de bloqueio?

Então, como se tivesse lembrado da presença de Halie, a Rainha Banshee virou-se e apontou em sua direção.

– Você! – ela gritou. – Como é mesmo o seu nome?

– É Halie, Vossa Alteza. – respondeu, adivinhando o que viria a seguir.

– É, você mesma! Preciso que você descubra isso para mim. – disse Sylvana com toda a doçura do mundo. – Junte suas coisas e se apresente à almirante Machadinha na Retaguarda dos Renegados. Fica a sudoeste daqui.

– Sim, Vossa Alteza.

– Quero aqueles orcs trabalhando, Halie. Aguardo seu relatório completo.

Halie assentiu respeitosamente e partiu o mais rápido que pôde. Na realidade, estava ansiosa por sair dali. Talvez pudesse espairecer no caminho e se livrar daquele turbilhão de informações que a atormentavam.

Ao chegar à Retaguarda dos Renegados, procurou pela almirante e se apresentou, explicando-lhe em seguida o motivo de sua visita.

Almirante Machadinha

– Oh, sim – disse ela. – Esse fracasso vai ficar conhecido como a maior vergonha da história dos combates navais. Como isso aconteceu? – a almirante olhou de esguelha para um orc que a acompanhava. – Bebedeira. Foi isso o que aconteceu. Este é o Senhor da Guerra Torok, Halie. Acho que ele pode lhe explicar.

Senhor da Guerra Torok

O orc atarracado que acompanhava a almirante Machadinha logo começou a se defender indignadamente:

– Isso foi culpa dos goblins, morta-viva! – ele soluçou. – Nós saímos do Ancoradouro Borraquilha, lá em Azshara, para Pinhaprata. Foi um grande erro! Nunca existiu tamanho covil de pecado e iniquidade em nosso grande Império. Aqueles goblins malditos incentivaram nossos vícios e nos embarcaram junto de barris cheios de cerveja.

Halie segurava-se se para não rir enquanto Torok soluçava descontroladamente e prosseguia com sua explicação:

– A vergonha deixa marcas mais profundas que as cicatrizes. Nossa honra tem que ser recuperada!

– Onde estão os worgens que os emboscaram, Torok? – perguntou Halie.

– Estão rapinando os destroços a sudoeste daqui, aqueles desgraçados. Quer saber, menina? Se você passar por lá, Mande-os para o inferno!

– Pode deixar, Torok – Halie sorriu. Simpatizara com o orc revoltado, apesar de sua argumentação malsucedida contra os goblins. Em seguida, voltou-se novamente para a almirante, que tinha nas mãos um telescópio enorme e tentava focalizar algo ao longe. – Precisa de alguma coisa, almirante?

– Hum – ela ponderou por alguns instantes. – Veja bem, acho que não vamos viver o suficiente para suportar a vergonha dessa derrota, Halie. O Chefe Guerreiro vai mandar nos executar com certeza.

Halie sentiu pena da pobre orquisa, que parecia conformada com seu destino. Mesmo com a enorme probabilidade de seu palpite estar correto, ela falava calmamente e de forma bem-humorada:

– Há, mas quero ser mico-de-circo se não vender caro minha pele. Todo o atracadouro está infestado de worgens Dentessangue, mas ainda há alguma esperança, acho eu. – a almirante olhou ao seu redor e acenou para um jovem orc, que correu até ela imediatamente. – Este é um de nossos lobinhos do mar. Você poderia escolta-lo até o atracadouro e recuperar alguns suprimentos?

– Eu carrega tudo – disse ele, animado.

Lobinho do Mar

O Lobinho do Mar era um tanto desprovido de inteligência, Halie logo notou. Estava feliz em ajudar, mas se escondia quando algum worgen era avistado e, apesar de ter prometido carregar todos os suprimentos que conseguissem resgatar, na realidade não ficou muito contente quando percebeu o peso da carga.

– CHEGA! ISSO É O CÚLUMO… CLUMO… É… EU NÃO ME ALISTOU PRA ISSO! – ele gritou, quando Halie lhe pediu que carregasse a quinta caixa de suprimentos. Mas então parou durante um instante e depois continuou, resignado. – Ah, peraí, eu me alistou pra isso mesmo…

Halie revirava os olhos e deixava o orc resmungando consigo mesmo. Percebera que não adiantava contrariá-lo. Acabou gastando um bom tempo se escondendo atrás de destroços, resgatando caixotes de suprimentos quando era possível e montando armadilhas para capturar worgens desprevenidos, parando vez ou outra para observar os enormes navios da Horda queimando à beira da praia.

Quando voltou para junto da almirante Machadinha, entregou os suprimentos e contou à Torok que conseguira matar alguns worgens na praia.

– Ah, que ótimo, menina! – exclamou ele. – Mas hein, parece que você deu mesmo uma surra nesses worgens… Acho que conseguimos nos livrar da “névoa de vergonha” em que eles nos jogaram.

Halie sorriu e assentiu. Se ele se sentia melhor assim, não seria ela quem discordaria.

Enquanto isso, a almirante Machadinha remexia nos caixotes de suprimento. Quando encontrou o que estava procurando, soltou um grito triunfante:

– Ahá! Os caixotes contêm trovão de aço! Agora, com nossas armas, temos uma chance de nos redimir. Sabe… Há quem diga que temos sorte de estarmos vivos. – ela riu. – Só um idiota diria isso. Se estivéssemos mortos, não teríamos que enfrentar a ira do Chefe Guerreiro. Bem… O que está feito, está feito. Agora só nos resta recuperar nossa honra perdida. Nosso terceiro navio acabou de afundar na costa da Penumbra Furtiva, a nordeste daqui. Os que conseguiram chegar à praia foram cercados pelas aranhas gigantes e presos em casulos de teia. Se houver sobreviventes, precisamos resgatá-los!

Halie animou-se ante a perspectiva de mais sobreviventes. O que ocorrera era, sem dúvidas, uma tragédia. Queria ajudá-los – especialmente porque sentira compaixão pela almirante conformada que lhe dirigia palavras sem amargura alguma, mesmo estando condenada à fúria de Garrosh.

O lugar indicado era aterrorizante. As aranhas, gigantescas e assustadoras, mantinham suas vítimas presas em casulos fortes de teia. As que ainda tinham alguma força gritavam e se debatiam, mas a maioria permanecia quieta, talvez por ter esgotado suas capacidades de pedir ajuda sem sucesso.

Halie conseguiu salvar o máximo de orcs que se atreveu, e então voltou rapidamente à Retaguarda dos Renegados, com a intenção de relatar a situação à almirante. Seria preciso uma excursão muito maior para quebrar todos os casulos e resgatar as vítimas restantes.

– Preciso de uma bebida – escutara um dos orcs resmungar enquanto caminhavam apressadamente.

Halie revirou os olhos. Passa horas perdido na escuridão e continua pensando em bebida?

            – Lok’tar, Halie! – gritou a almirante quando se aproximaram. – Deixarei meu orcs a postos… assim que passar a ressaca. Hum, Halie, eu fiz uma coisinha para você…

A almirante puxou Halie pelo braço e recostou-se à parede. Com uma expressão acanhada, tirou do bolso da calça um envelope selado com a marca da Horda e lhe entregou.

– Essa é a sua carta de comenda. – disse. – É o mínimo que posso fazer, dadas as circunstâncias… Eu sei que não é muito, mas… Bem, leve isto até a Grande Dama Sylvana Correventos e diga a ela qual é a nossa situação. Quero que ela saiba que estaremos prontos para marchar assim que ela der a ordem. Adeus, Halie. Você é um excelente soldado.

Halie encarou o envelope, contente pelo reconhecimento. Finalmente alguém se dera conta do esforço que fazia para servir à causa dos Renegados.

Despediu-se demoradamente dos simpáticos orcs e partiu rumo ao Alto Comando dos Renegados mais uma vez.

Sylvana ergueu uma sobrancelha ao receber a carta.

– E os orcs? – perguntou antes de abri-la.

– Estão a postos, Vossa Alteza.

Ela então sorriu e quebrou o lacre. Leu a carta com atenção e encarou Halie, dobrando novamente o pergaminho.

– Você fez tudo isso mesmo, é? – perguntou. Halie assentiu. – Eu não digo isso com frequência, Halie… estou impressionada. Talvez sua habilidade se iguale a sua ambição.

Halie não sabia se havia escutado direito. Tinha mesmo acabado de receber um elogio da Rainha Banshee? Um elogio real, acompanhado de um sorriso surpreso e verdadeiro… Algumas palavras de ternura vindas da Grande Dama Sombria para ela, uma morta-viva qualquer, que ainda nem se acostumara direito a sua nova forma…

Sylvana a encarou por alguns segundos, estudando-a demoradamente.

– Você será testada, Halie.