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Este é o 6º artigo de 10 posts da série O Diário da Kinndy.

Boa leitura!


Caminhei lentamente pela praça até chegar em casa. Mamãe estava ao lado da mesa preparando os ingredientes dos doces que faria no dia seguinte. Assim que me viu parou e limpou as mãos sujas de farinha no avental.

– Onde estava a minha princesinha?

Sorri pra ela e era um sorriso triste. Pela primeira vez pensei em quantas mães não teriam morrido nos conflitos da Aliança e da Horda. Eu tinha sorte de ter minha mãe perto de mim.

– Eu estava andando pela cidade mãe, conversando com cidadãos para tentar decidir qual classe vou seguir.

Ela notou meu olhar tristonho e se aproximou com um brownie de chocolate, meu favorito.

– Então coma isto aqui e vá encontrar seu pai, já deve estar quase na hora dele iluminar a cidade.

Sorri novamente, mas de encanto. Meu pai tinha a melhor profissão do mundo na minha opinião.

– Volto com ele então. Tchau mamãe!

Saí correndo pela porta afora sem ouvir se ela havia se despedido de mim.

Fui para Praça Fiarruna, que era onde ele começaria seu trabalho, e lá estava ele, sussurrando uma magia para obter a chama de Dalaran, a chama que duraria até o sol nascer novamente.

– Quando eu crescer, quero ser que nem você.

Disse me aproximando dele, ele colocou o braço direito no meu ombro e sem olhar pra mim me disse sorrindo:

– Sinto muito filha, mas você não cresce mais que isso.

Gargalhamos juntos e olhei pra cima, vendo a chama começando a entrar no candeeiro, ela parecia dançar e logo se apossava de toda a lâmpada.

– Você consegue fazer com que a chama tenha formas?

Ele olhou pra mim com as sobrancelhas franzidas:

– Formas?

– Sim papai, formas. Imagina só se você aprendesse um feitiço fazendo que as chamas pareçam uma águia ou um tigre, ou quem sabe um lobo ou…

Ouvi uma gargalhada vindo dele, me senti envergonhada.

– Quem sabe minha pequena Kinndy, quem sabe…

O acompanhei por toda cidade, o único local que não podíamos entrar era onde a Horda estava estabelecida, mas para iluminar lá, papai dizia outro feitiço e as chamas saíam de sua varinha e voavam lindamente para todos os candeeiros. Por ironia do destino, ver papai, que nasceu na facção inimiga, iluminar a Horda era minha parte favorita.

– É lindo…

Novamente senti sua mão no meu ombro.

– É sim, minha filha.

Ficamos olhando as chamas chegarem aos seus destinos nos arredores da praça que pertencia a Horda e logo depois fomos caminhando para casa.

– Papai.

– Sim.

– O senhor já teve algum amigo da Horda?

Ele parou, me encarou e senti que fiz uma pergunta imprópria.

– Não temos amigos na facção inimiga Kinndy.

– Mas…

– NÃO temos amigos na Horda, Kinndy. Você me entendeu?

Abaixei a cabeça e olhei para o chão. Lembrei que horas antes estava sentada no mesmo banco que um Orc, acho que o mataria de desgosto se ele soubesse disso.

– Entendi papai.

Permanecemos em silêncio até chegar em casa.

– E aí está meu docinho de kodo!

– Boa noite mamãe…

Caminhei sem olhar para ela e subi as escadas de cabeça baixa.

– O que deu nela Guido?

Papai tirou o casaco e esfregou o bigode, como se estivesse preocupado.

– Essa coisa dela fazer uma pesquisa de campo para ter certeza de qual classe escolher já está rendendo frutos errados!

Mamãe novamente limpou as mãos no avental e abraçou papai por longo tempo.

– Guido, nossa menininha está crescendo. Não deixe que suas mágoas do passado interfiram nas escolhas dela.

Papai se afastou dos braços de mamãe e consentiu com a cabeça.

Assim que eu percebi que ele poderia olhar pra cima e me ver escondida entre as escadas eu subi.

Cheguei no meu quarto e caminhei em direção a minha cama. Sentei numa posição na qual conseguia ver a praça da cidade pela janela.

Ao olhar para cima vi um leão rugindo, com asas longas e alguém voando sobre ele.

O ser que voava nele era enorme, com uma armadura que reluzia sobre a lua. Vi ele tirar o elmo e erguer a espada.

– Malvino!

O grande Orc sorriu e pude ler em seus lábios a palavra “adeus”.

– Estendi a mão para ele e senti meus olhos cheios d’água.

– Adeus grande Orc Guerreiro.

O acompanhei sumir por entre as nuvens e quando não vi mais o leão no céu, deitei-me na cama, olhando para o teto.

– Papai e Malvino tem razão, não temos amigos na facção inimiga. Mas não irei plantar a semente do ódio por todos os seres que nasceram na outra facção. Serei justa e distribuirei aquilo que me lançarem.

Estava decidido, não poderia ser uma guerreira, não gostaria de sentir o sangue de alguém em minha espada, não gostaria de olhar nos olhos tão perto do meu inimigo a ponto de ver sua vida esvaindo ante mim.

– Amanhã bem cedo vou procurar um caçador. Eu adoraria ter um bichinho ao meu lado me defendendo. Quem sabe não serei uma?!

Fechei os olhos sorrindo.

Amanhã seria um dia muito interessante.