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Este é o 7º artigo de 46 posts da série Entre Homens e Lobos.

Boa leitura!


Abriu os olhos com dificuldade, tentando adaptar-se à luz acinzentada que perfurava suas retinas. Precisou piscar com força algumas vezes antes de conseguir focar a visão e percebeu que enxergava o mundo por uma brecha retangular, entrecortada por barras de ferro.

Atirou-se violentamente contra as grades da jaula e mostrou os dentes para o homem que o observava do lado de fora. Não podia ficar em pé, tampouco deitado – precisava encolher-se em um canto para ganhar algum espaço, mas antes preferiu chacoalhar-se de um lado para o outro, tentando inutilmente derrubar as paredes de sua minúscula prisão.

Após alguns minutos, largou-se no chão, apertado e dolorido, e sentiu o torpor começar a abatê-lo novamente. Em seu ímpeto de frustração, machucara quase o corpo inteiro, e as ataduras que lhe envolviam os braços estavam empapadas de sangue. Rosnou mais uma vez para o cidadão que o analisava, parado à uma distância segura da jaula. Conseguiu distinguir a silhueta de outro homem aproximando-se de sua cela antes de desmaiar novamente.

Passou mais algumas horas inconsciente, alternando entre alguns momentos de quietude e delírios que o assaltavam repentinamente. Mesmo adormecido, uivava e rosnava sem parar enquanto imagens aleatórias compunham uma série de sonhos desesperadoramente realistas em sua mente.

Quando acordou novamente, não estava mais enjaulado, mas seus pulsos e seu pescoço estavam presos. Debateu-se uma vez, forçando os braços por entre as aberturas na estrutura de madeira que o mantinha indefeso sob a chuva daquela noite fria. Rosnou raivosamente enquanto lidava com suas tentativas frustradas de se soltar, até que, alertados pelo barulho, três homens saíram de dentro de uma casinha próxima e correram em sua direção.

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O som dos passos chapinhando a água acumulada no chão de pedra lembrou-lhe o barulho de animais correndo na lama, passando pelas árvores em meio à uma floresta fechada, banhados pela luz do amanhecer. Em seguida teve a visão de várias armadilhas de metal no chão, e quase pôde escutar mais uma vez o tão conhecido som de rosnados e uivos suplicantes que ficara gravado em sua memória.

– Não vou desistir de você – disse um dos homens, com o rosto parcialmente coberto por um capuz envelhecido. Recebeu um rosnado em resposta e suspirou, cansado. – Ainda não tenho a cura para a maldição… mas há tratamentos – ele insistiu num tom esperançoso, com um meio sorriso nos lábios. – Você vai assumir o controle logo, logo, amigo.

Um bufar entediado veio do outro homem, aquele que o observara quando estivera dentro da jaula.

– Desista, Krennan – disse ele, revirando os olhos impacientemente. – Já está na hora de sacrificar esse aí. É o procedimento.

O terceiro homem, que tinha uma espada embainhada na cintura, virou-se bruscamente na direção do outro, fazendo vento com sua majestosa capa dourada. Chacoalhou a cabeça em desaprovação.

– Diga-me, Godfrey – falou bruscamente –, as pessoas que ficaram em Guilnéas para que nós sobrevivêssemos… elas seguiram o procedimento? Eu acho que não – virou-se novamente para o amigo encapuzado. – Agora, me passe a poção, Krennan… e dobre a dose.

Um vidrinho passou das mãos de Krennan para as do homem com a espada, que aproximou-se e ergueu-a lentamente.

– Você tem que aguentar, Dareon – sussurrou.

Dareon. Aquele nome martelou em sua cabeça, forçando um significado que demorou a fazer sentido. Rosnou baixinho, mas quase sem vontade. Olhou nos olhos daquele homem que lhe falava com carinho, num tom que mais se parecia com uma última súplica desesperada. Reconheceu seu rosto. Por um breve momento, viu-o majestosamente montado em um belo cavalo, rodeado de pessoas que o encaravam com admiração. Esse foi meu nome um dia?

Forçou-se a emitir algum som, mas tudo o que conseguiu foi outro rosnado fraco.

– Essa dose é forte o bastante para matar um cavalo – o homem comentou, então sorriu brevemente em sua direção. – Mas eu o conheço. Sei do que você é feito. Vai ficar tudo bem.

O homem estendeu a mão em sua direção, mas precisou retirá-la rapidamente quando, num ímpeto, Dareon balançou com força a estrutura de madeira que o prendia, grunhindo e chacoalhando-se brutalmente. Vai ficar tudo bem. Ele disse que vai ficar tudo bem.

Greymane, queria dizer, estou aqui. Sentia-se fraco e desorientado, desesperado por algum alento. Não queria atacá-lo, mas não podia conter seu instinto. A fera dentro de si era primitiva, violenta por natureza, sedenta por combate. O ser humano que um dia fora precisava se comunicar. A despeito de ambas as vontades, tudo o que conseguia era contorcer-se ridiculamente e emitir sons sem sentido, como o perfeito animal que era.

– Confie em mim – disse Greymane, tentando novamente chegar com o frasco de poção até sua boca. – Eu sei pelo que você está passando. Agora beba isto e feche os olhos.

Dareon usou toda a força de vontade de tinha para engolir o líquido que Genn Greymane despejava em sua garganta. Sentiu-se irritado, mas antes que pudesse reagir à última chance de humanidade que lhe era oferecida, precisou lutar contra a escuridão que teimava em cair sobre seus olhos novamente, deixando-o mais uma vez imerso em sonhos e lembranças perturbadores.